20 de novembro de 2014

balão vermelho

dias leves.
eu acreditava que seriam leves.
mas não.

eu só consigo me concentrar nas falhas.
nas minhas, nas nossas e  no forte cheiro de xixi de cachorro na cozinha.
na louça da última semana, no fogão engordurado , nos armários empoeirados, nas roupas sujas, nos meus livros pelo chão .

desordem.
é uma desordem de ideias e sentimentos. eu não consigo achar calcinha limpa, tampouco solução.
eu tomo um banho quente, um banho quente , em um dia quente, eu nem mesmo consigo chorar.
eu só consigo sentir raiva .
raiva de mim, raiva do mundo, raiva da falta .

da falta do dinheiro, da falta de tempo, da falta.
e eu sinto, sinto falta de mim.
sinto falta de clareza, pra pensar.
sinto falta do espaço, sinto falta de sentir .

sinto que o João se mexe mais, quando eu me desligo, me irrito e perco nossa conexão.
e nos últimos dias, tem sido constante .
ele se mexe mais e mais forte, e se faz mais presente pra me lembrar que eu preciso ser forte, e não desistir.
pra me lembrar que por mais que doa, valerá a pena.
pra me lembrar afinal de que ele está lá .
está aqui.

aqui, precisando ser alimentado com luz, com amor, com sentimentos bons.
e é quando eu paro e lamento.
lamento não sentir nada de bom.
eu só sinto raiva, e falta.

falta das roupas que me caibam, do dinheiro, das pessoas, e da clareza.

dez horas por dia, cinco dias na semana, quatro semanas no mês, nove meses em um ano.
um ano sem ar.
um ano cinza. um ano de dias que deveriam ser mais felizes, mais alegres, mais leves.
um ano de trabalho.

escrevi outro dia que ser mãe é solitário.
e é. mas viver também é.
ser mãe pesa. alimentar o joão pesa.
pesa não poder dar mais amor, mais luz, mais força, mais atenção.

pesa não poder dar todo tempo do mundo pra você filho, pesa saber que o meu melhor, não tem bastado.
e pesa dizer que pesa.
pesa não saber ser mais leve. e não saber relevar. e ser tão intensa.
e toda aquela intensidade de que eu me orgulhava, agora como uma âncora me puxa.

João Pedro, você tem sido meu balão vermelho, enquanto todo o resto me puxa , me puxa como uma âncora.
mas você é o balão vermelho. mais forte que todo esse pesar.
obrigada.

                 

13 de novembro de 2014

caos e lama

o mais engraçado, é que você tem total ciencia do meu amor .
e vem utilizando disso pra fazer o que bem entende, prova disso é o que você disse ontem: que faz as coisas pq sabe que eu sou boazinha demais .
eu tenho me omitido cada dia mais , tenho relevado  engulido sapos e choros.
nao sobrou nada de mim, nem da minha autonomia .

você reclama dos meus 'não sei's , mas quando eu me permito ser , quando eu me permito dizer o que quero, o que penso o que sinto , você não sei mais se inconscientemente, me desaprova, me anula.

tô bem longe de ser a pessoa confiante que era, e olha que nem era tanto assim .
mas eu nunca antes fiquei onde não era desejada
e você claramente não me deseja mais , e voce claramente não deseja mais minha presença .

o que você busca é alguém que te afirme, alguém que nao discuta, não pense, que só esteja com você, independente do que aconteça .
e eu sempre abominei isso . abomino , mas sigo fazendo , sigo calada , sigo entalada , sigo sem nem lembrar quem eu sou, quem eu fui .

e mesmo depois de tudo, e mesmo depois de todas as noites sem dormir, mesmo depois de todas as brigas, das lágrimas, dos gritos e mágoas eu concluo sem muita certeza, é verdade, que a culpa é minha .

a culpa é minha pelo amor, a culpa é minha pelo apego, a culpa é minha em idealizar.
e os ideais que eu queria ver refletidos em você com todo amor que eu sinto me engoliu.
engoliu por inteira.

eu sou agora uma mistura de nada, com lágrimas, rancor e amor .
não dá pra puxar uma coisa só .
é tudo um emaranhado de lembranças, de drinks coloridos, camas de hospital e noites em claro .
é tudo isso que faz crescer o joão. ele é parte disso. ele é a transformação de tudo isso .
e independente do que essas palavras queiram dizer , independente de como elas cheguem até você, e independente do que façamos delas e do que elas significam , o joão foi uma criação no meio desse caos.
e isso quer dizer muito, pelo menos pra mim.
quer dizer que há beleza mesmo no nosso caos.
chafurdando a lama que tornou-se o que eu sinto hoje, veio a melhor coisa que poderia ter me acontecido.

ps: me desculpa, mas eu digo melhor sem voz. ou melhor, minha voz é mais alta quando escrita, e eu menos covarde do que de fato sou.

26 de setembro de 2014

26 semanas

26 semanas.
enfim o terceiro trimestre .

João Pedro, está bem e seu coração bate forte.
coração esse que me fez mais humana, mais flexível, mais sensível ao outro e resgatou a empatia que perdi.
perdi porque afinal o mundo nem era tão bonito e colorido como pintavam . e eu que me achava muito adulta, adulta e pronta . pronta pra rebater as críticas, afastar pessoas e me auto-afirmar .

não preciso mais me auto-afirmar.
eu sei quem sou. sei a que vim.
e o mundo como num piscar de olhos, voltou a ser colorido e tão ou mais bonito do que pintavam. isso ao mesmo tempo em que voltei a me preocupar com o outro, com o afligido, com o que sofre. com o outro.
o outro que não sou eu, o outro que não é meu . (que é fácil se preocupar com o outro que te compõe, como família, amigos e pessoas próximas) .

eu não preciso mais afastar as pessoas.
eu não me acho mais adulta e nem tão pronta pra rebater todas as críticas eu não preciso de afirmação.

a vida, o universo e tudo mais, me trouxe o joão .
e a sensação de que eu posso mudar o mundo, de que os fardos nem são tão pesados assim , que eu posso carregar, que eu posso lutar mais um pouco, que eu posso sentir mais dor, mais amor, mais empoderamento .
obrigada a vida, ao universo e tudo mais. obrigada ao Pai Celestial, obrigada a divindade .
que a vida é nada menos que divina. seja lá qual for a SUA definição de divino .

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10 de setembro de 2014

a vida que te obriga

a vida te obriga .

a superar . suportar , se portar .
aportar .

mas eu não quero, não quero e me nego .
me nego a naufragar . sem nome e sem destino .

eu quero o que não tenho.
eu choro o que perdi .

não quero as imposições da vida .
não quero as obrigações.

eu quero a liberdade , eu quero o que não tem nome.
eu quero a possibilidade do nada .
do não querer .

não.

8 de setembro de 2014

rascunho.

ser mãe é solitário.

quebrando a cara .
o coração em frangalhos, impede a concentração.
não há fome, não há riso.

só um buraco no peito. e sede.
sede, que me secaram por dentro .
estou seca.
preciso de água, preciso das lágrimas e do gritos.
mas não tenho forças. não quero gritar , não quero gritar .

eu só quero sentir .
deixei de sentir o joão.
deixei de sentir a felicidade imensa que me preenchia e bastava.
agora eu só consigo temer .
e pensar em como será quando ele chegar .

se estarei pronta.
e enfim as lágrimas chegam .
e me inundam por fora.
por dentro contínua seco e sem vida .
a única exceção é joão, que cresce .
mais por vontade própria do que por esforço meu .


setembro.

setembro.
é sempre um mês doloroso, um mês que deixa marcas.
na idade, no rosto, no corpo.

agora, somos dois.
agora dói por dois.
agora pesa mais .

agora, a barriga aumentou, os seios, os medos também.
e o agora não me pertence mais .

setembro.
meu primeiro aniversário como mãe.
e ser mãe dói.

sinto o peso do mundo,

assim como uma rosa sem espinhos .
incapaz de escapar .
incapaz de continuar.