17 de março de 2024

clarisse


 

2019 - eu estava grávida. uma gestação não planejada, muito menos desejada. sim. eu sei, parece cruel. mas, é isso, não dá negar o que foi. 

eu ouvia algumas músicas no repeat 


essas quatro músicas resumiam meu estado de espírito, minha letargia, minha quase vida, eu só sobrevivia, eram tempos difícies, talvez igualmente difíceis aos de hoje, a diferença é que eu não pedi ajuda, nem contei pra ninguém, só vivi dias calada, dias sozinha, e me isolei ainda mais. solitária, infeliz. 

e só com quase 30 semanas que tudo mudou, que consegui acordar, levantar, escovar os dentes e pegar trem e metro, interagir, e ouvir. 
ouvir é uma dádiva, eu falo muito, sou prolixa ao extremo, me arrependo das pavras ditas e engulo muito antes de dizê-las. eu sei, eu sou cruel, eu sei ser cruel. 

eu sei ser escrota, e talvez tenha merecido o tanto de silencio, de raiva e de mágoa projetados 
mas, catarina mudou tudo, não sem antes me fazer quebrar alguns pratos e um celular. 

ela chegou, tudo mudou. tudo fluiu

quatro anos depois estou aqui, sozinha de novo, amaldiçoada pelas palavras ditas, pelas mágoas derramadas, pela mesquinhez vomitada

e tudo bem. depois de anos tomei coragem e banquei 
e é isso.
e eu sei o que valho 
eu sei que sei ser cruel, eu sei que sei machucar, e sei que fiz 
mas, engoli tanto, mas me magoei tanto, mas passei tanto pano, e tantas lágrimas enxuguei e segurei que sim, desabei
da pior forma, grande, profunda, público, despejei pro mundo, um tanto de suco gástrico, um tanto de sangue e suor, um tanto de merda e bilís, muita bilís - afinal eu não tenho mais vesícula 

e tá tudo bem. tá, talvez não esteja tudo bem, mas vai ficar. 
e tá tudo bem, hora ou outra tinha que acontecer, hora ou outra eu tinha que botar pra fora 

eu já disse. eu sou bipolar, e chega, chega de achar que eu vou reagir sempre como você reagiria, chega de segurar pontas não fumadas, chega de passar pano sujo no chão

eu não sei o que vai ser, e sim, eu me arrependi de cada palavra proferida. e honestamente eu lembro bem pouco do que aconteceu, lembro pouco do que rolou, do que nos fez chegar aqui, mas apesar de odiar ter te magoado, mantenho a certeza de que reagi ao que me foi imposto. e dane-se que já tenha aceiteido que me tratassem assim antes 

eu não calculei, mas meu corpo, meu fígado doente e meu cerebro bipolar me fizeram reagir 
eu não controlo, eu não controlo, eu não antevejo como vou reagir

sinto se te machuquei. mas eu estava tão ferida, tão renegada, tão... que saiu 
como vômito, como bosta, como sal em carne viva

que seja
que venha a manhã, o sol, que queime nossa pela, que queime 
que me queime, que me faça desaparecer, que evapore minhas lágrimas, que me faça soar as mágoas, o choro, a raiva, que evapore 


evaporar, já diria o ruivo (Amarante)



Clarisse - Legião Urbana (só as partes que fazem sentido agora)

Estou cansado de ser vilipendiado
Incompreendido e descartado
Quem diz que me entende
Nunca quis saber
...
Não se mexe
Não se move
Não trabalha

Calma e força, viver em dor
O que ninguém entende
Tentar ser forte a todo e cada amanhecer

Ninguém me entende
Não me olhe assim
Com este semblante de bom-samaritano
Cumprindo o seu dever
Como se eu fosse doente
Como se toda essa dor fosse diferente ou inexistente

Nada existe pra mim
Não tente
Você não sabe e não entende

E quando os antidepressivos e os calmantes não fazem mais efeito

Clarisse sabe que a loucura está presente...
Mas esse vazio ela conhece muito bem

De quando em quando é um novo tratamento


Mas o mundo continua sempre o mesmo
O medo de voltar pra casa à noite
E que a maldade anda sempre aqui por perto
A violência e a injustiça que existe
Contra todas as meninas e mulheres
...


Clarisse está trancada no seu quarto
Com seus discos e seus livros
Seu cansaço
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
Mas um dia eu consigo resistir
E vou voar pelo caminho mais bonito
Clarisse só tem catorze anos (ou quatro?) - Hoje, Catarina me disse "mãe, tchau!" no mesmo tom, na mesma indiferença que usei durante toda adolescencia. Alicia logo riu, logo pediu aplauso da minha mãe, perguntando se era bom ver que sou tratada como um dia a trate. 

a mesma entonação, o mesmo revirar de olhos, a mesma cabeça baixa sem saco pra encarar ninguém. 
Todos concordaram que Catarina reproduziu uma das muitas que lancei na adolescencia. Mas, em uníssono entoaram: mas, não tão cedo. 
não com quatro

e ela nem completou quatro ainda. 
falta quatro dias. 
eu dissei, eu sabia, ela veio pra colocar tudo a prova
ultrassom, obstretrícia, minha fé, meu casamento, meu amor pelo João, minha tolerância com minha mãe e minha capacidade de passar pano pras coisas mais absurdas que ela insiste em fazer. do choro falso, da risada larga, da doçura e pedidos de colo, do amor maior que já senti, do medo mais intenso

ficou longo, misturado, ficou tairine 
ficou eu mesma, cheia de incosistências 
quase quatro é um bom nome pra um banda haha

eu que nao toco nada...

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